Moda  •  11 mar 2024

Por mais mulheres vestindo mulheres

ONDE VOCÊ VÊ ESSAS PESSOAS USANDO ESSAS ROUPAS?

FELIZ DIA DAS MULHERES!! Feliz para quem? Bom, enquanto a data se tornou um símbolo de mais luta e menos flores, é preciso falar da moda e do que as mulheres querem vestir.

E a última temporada, que terminou na terça, foi determinante para entendermos o caminho da moda num mundo pós-pandêmico: estamos cada vez mais sendo vestidas por… HOMENS!

Tudo bem, nada contra, eles são ótimos, mas cadê mais mulheres vestindo mulheres? Mulheres que entendem mulheres? Parece minguar.

CHLOÉ X YSL

O assunto “mulheres vestindo mulheres” se tornou pauta relevante desde a última onda de novos estilistas (todos homens e brancos) em grandes maisons. Ano passado ganhou uma exibição no Metropolitan Museum chamada “Women dressing women”. E, com o início da PFW, a necessidade do debate veio através de duas grandes marcas, YSL e Chloé, e dois cenários opostos.
 

Primeiro Yves Saint Laurent, cujo diretor criativo atende pelo nome de Anthony Vaccarello. Seu desfile foi invariavelmente apoteótico, com as mesmas mulheres magérrimas de sempre, e nesse caso um pouco além da conta: mais do que toda a sexualidade predominante da marca, quase todas (!!) estavam a bordo de transparência.

Não era um ou outro look, mas a grande maioria deles eram transparentes, dos 48 looks, apenas 12 não tinham seios à mostra (e desses 12, três eram minivestidos com cintas-ligas). A transparência foi criada com tecido de meia-calça, material obviamente frágil que o próprio Vaccarello assumiu, “esses vestidos demoraram quatro dias para serem feitos e se não forem tratados adequadamente, eles rasgam e precisam ser confeccionados novamente”.

A editora de moda do NYT, Vanessa Friedman, começou sua crítica ao desfile com um “Chega de peitos!”. Ela também revelou a dificuldade de encontrar uma foto apropriada pra ilustrar a matéria no jornal.

“Nesta fase do século XXI, tanta transparência parece a forma mais banal de provocação misógina e pretensiosa de moda. Algo que é particularmente mal pensado dada a atual política dos corpos das mulheres. Eles já estão sendo tratados como objetos, precisamos mesmo de mais objetificação?” – Vanessa Friedman do The New York Times

 

Daí só nos resta perguntar, quem é essa mulher e pra onde ela vai?

Nem a parisiense mais festeira usa esse nível de transparência com tanta frequência. E também pesa o fato de ser um homem pensando numa mulher como uma modelo na passarela pronta pra viralizar, e não numa mulher procurando uma roupa pra vestir.

Ok, ok, o próprio Yves Saint Laurent criava esse fashionismo quase erótico, mas também é preciso lembrar que o Yves por si só foi muito revolucionário no vestir o sexo feminino.

Corta pro dia seguinte com Chloé, e sua nova diretora criativa, Chemena Kamali, que é cria da casa, teve passagem pela própria YSL, e garantiu uma estréia aclamada. Seus looks remetiam a Chloé boho de sempre, viu-se romantismo e um quê sexy, mas com doses de sutileza e usabilidade, diferente de Yves Saint Laurent.

Daí se reforça o questionamento, que mulheres são essas que vestem blusas feitas de meia-calça e saem out-and-about por aí? Isso parece um fator limitador para qualquer mulher, seja uma parisiense ou uma carioca. Não é sobre questionar a liberdade da mulher vestir o que quiser, mas entender a praticidade do dia a dia, uma roupa assim é IRREALISTA.

Eleito um dos melhores desfiles da temporada, a crítica especializada apontou que o principal fato é justamente por ter sido criado por uma mulher que entende das emoções, sentimentos e necessidades de outra mulher. As clientes apenas querem lindos casacos, calças descoladas e sapatos diferentes e a Chloé serviu isso de maneira natural (diferente de Anthony).

Também há transparências no desfile da Chloé, que revelam o peito por baixo de blusas e vestidos delicados, mas aqui parece ter outra conotação. A roupa está a serviço da mulher e não o contrário. É uma escolha colocar uma camisa ou um vestido solto sem sutiã, que parece partir de um pensamento de liberdade e expressão que ganhou força nos anos 1970 com o movimento hippie. – Camila Yahn do FFW.

 

SAI SARAH BURTON, ENTRA SEÁN MCGIRR, PERDE MCQUEEN

 

Ainda em Paris, foi a vez da aguardada estreia de Seán McGirr, com a difícil tarefa de substituir a aclamada Sarah Burton que sucedeu de maneira sublime o legado de Alexander.

Enquanto ela promovia desfiles lúdicos, ainda que provocantes e exuberantes. Ele focou na dureza, peças conceituais demais e memoráveis de menos.

Enquanto na sua última coleção, Sarah criou vestidos que remetiam seios, vaginas e outras sutilezas do feminino, Seán fez vestidos em aço remetendo CHASSI DE CARROS! Isso foi ápice pra mim.

A sempre provocativa e controversa McQueen mostrou, meio que do avesso, que sua marca agora é um exemplo oposto. Esse foi estouro que procedeu o excesso de homens vestindo mulheres.

A nomeação de McGirr para McQueen acendeu um debate sobre a falta de diretoras criativas na Kering, proprietária da marca, e na moda em geral. Tantos homens brancos com o mesmo corte de cabelo no comando e tantas mulheres habilidosas foram preteridas. Hmmm.” – Rachel Tashjian.

 
 

AS ESTATÍSTICAS NÃO MENTEM

 

Segundo matéria do TWP chamada “Precisamos de mais estilistas mulheres”, o que se realiza é que parece faltar imaginação e diversão aos estilistas homens.

“Parece que muitos designers estão sobrecarregados e sem tempo suficiente para criar ideias que sejam interessantes, usáveis e contemporâneas. Há muita corrida para seduzir de forma barata e com as ferramentas de sempre.”

 

Na LVMH, o maior conglomerado de luxo do mundo, apenas a Dior e a Pucci têm designers mulheres no comando. Rihanna, que criou sua Fenty “modas”, se tornando a primeira mulher preta a ter sua própria marca no grupo, logo encerrou suas atividades e até hoje não se sabe o motivo. Além delas, Stella McCartney e Phoebe Philo são dirigidas por suas criadoras, mas até quando? Na Kering, Sarah Burton era o único nome. A Chanel, que é propriedade independente da família Wertheimer, tem a protegida de Karl Lagerfeld, Virginie Viard que parece balançar, mas não deve cair.

Porque é que as mulheres ainda estão sujeitas aos conceitos dos designers masculinos, especialmente quando tantos deles parecem não ter uma compreensão especial do que as mulheres querem ou precisam, ou de como vivem? A mesma pergunta deveria ser feita sobre designers não-brancos; há apenas Pharrell, na Vuitton, Olivier Rousteing da Balmain e Nigo da Kenzo.

 

Outra razão pra esse domínio masculino para além do óbvio, pode ser a cada vez maior obsessão da moda com a comercialidade e seu crescimento constante. As exigências impostas a um designer de moda tornaram-se absurdas – às vezes 10 ou mais coleções por ano. Talvez as designers mulheres sintam que não querem se comunicar de forma tão simplista e urgente.

Talvez essas mulheres não façam roupas da maneira que os homens das finanças ou marketing acham que deveriam ser feitas. Enquanto mulheres tendem a ser mais ousadas e cheias de nuances, os executivos exigem imediatismo e marketing. Longe de achar que mulheres não tem esse tino mais comercial, mas ainda assim imagina-se que elas eventualmente não cedam tanto quanto os homens nesses mesmos cargos.

 

“A moda é uma ferramenta poderosa na construção da identidade. A influência masculina nesse processo levanta questões sobre quem detém o poder de narrar e definir as experiências femininas. O terreno dos sonhos e desejos é uma ferramenta importante na criação de moda, mas é preciso caminhar junto com os tempos, reconhecendo as verdadeiras necessidades do público para o qual você está criando. Na moda, sintonia é uma palavra chave.” – Camila Yahn

 

Como já disse anteriormente, nós precisamos vestir a roupa e não sermos vestidas por ela. Enquanto houver mais homens no comando, eles continuarão no poder de decisão sobre o que vamos vestir, ditando modas e regras. Se a transgressão que a moda sugere, depender deles, não haverá transgressão ou revolução, mas apenas roupas. E queremos mais que isso.

 

Ainda assim, feliz dia das mulheres!

Beijos,

Thereza

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