Moda  •  06 mar 2024

Girlboss e o fim de uma era

Dez anos atrás um termo tomava conta da internet, numa era muito diferente da de hoje: o GIRLBOSS.

A expressão foi cunhada por Sophia Amoruso, então criadora da Nasty Gal. A marca começou com uma grande sacada de revender peças garimpadas em leilões do Ebay, logo conquistou o mercado de moda, listas de bestsellers com seu livro #GIRLBOSS e depois um seriado na Netflix.

O ideal GIRLBOSS era algo como uma garota millennial carismática, branca, que empreendia e sucedia por ela mesma, era ~braba, empoderada, tinha contatos (eventualmente dos próprios pais rs) e… dava a entender que todo mundo poderia, bastava querer *rsrs*.

Lembro que do apogeu do seriado, logo veio o caos e provavelmente o cancelamento, numa época que ainda pouco se cancelava. Resgatando um próprio post meu de 2017, época que o seriado foi ao ar, “9 motivos para você questionar e 1 para assistir Girlboss”, reproduzo aqui 3 pontos que sintetizam essa era GIRLBOSS e provavelmente o motivo pelo qual a expressão caiu em desuso.

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Caráter questionável: Estava empolgada pra ver uma série que falaria sobre empreendedorismo, mas logo no ep 1 me choquei, peraí, a girl em questão rouba, é arrogante, mesquinha, petulante? Essa projeto de boss não respeita ninguém? Bom, não quero mais aquelas protagonistas perfeitinhas à la princesas da Disney, mas reprovo esse tipo de comportamento e não acho que isso seja bom exemplo, pois, apesar de ser ficção, se baseia numa história real e que inspira milhares de garotas a correrem atrás de seus sonhos.

Privilegiada: Muito se fala do privilégio de Sophia e de como ela não deve ser tomada como exemplo de empreendedora. De fato, Sophia emula o ‘white girl problem’ e, apesar de problemas de relacionamento com os pais, sua rebeldia sem causa mostra que a determinação e destemor dela não são características a serem louvadas, mas sim um traço de arrogância.

Não é uma série sobre feminismo: O assunto tem se tornado pauta recorrente nos últimos tempos e é muito bom popularizar a questão, mas Girlboss está longe disso. Aliás, falta até sororidade, o relacionamento mais próximo, que é com Annie (sua melhor amiga), coitada, esta vive num relacionamento abusivo com Sophia. Aliás, essa é uma das partes que mais me incomodam na série, o quanto Sophia é ingrata e sem o mínimo de empatia.

 

E por que estou falando de GIRLBOSS anos depois? É que recentemente me deparei com uma matéria falando sobre sua derrocada e percebi que estava por fora como o termo estava totalmente vilanizado.

A matéria da Fast Company destacava a “derrota” do termo e como empreendedoras “fora do radar”, sem necessariamente redes sociais ou arquétipos digitais, estavam se destacando mais – e melhor.

A matéria começa justamente falando que célebres girlbosses da década passada estavam perdendo espaço e se afastando de seus impérios, seja depois de polêmicas ou falências. A última delas – e talvez mais proeminente – era justamente Emily Weiss. De estagiária favorita da Teen Vogue (quem viu The Hills, sabe) à criadora do provavelmente primeiro império de beleza da década digital, a Glossier.

A empresária recentemente saiu da presidência da sua marca e agora “apenas” faz parte do Conselho. Segue dona e proprietária, mas a marca agora é muito mais que sua persona cool – pink -millenial e tenta uma nova tacada agora com uma presença física maior aka à venda na Sephora.

E a matéria fala justamente da falácia da girlboss enquanto um modelo de mulher poderosa, uma selfmande woman que não se encaixa mais nos dias de hoje, onde se há um maior letramento social, seja sobre feminismo e raça. Convenhamos, a girlboss da década passada era muito mais sobre privilégios e oportunidades e hoje em dia não tem como disfarçar mais.

Segundo a matéria, que entrevistou inúmeras empreendedoras da nova geração: GIRLBOSS se tornou um termo PEJORATIVO.

E a aversão ao termo não é de hoje. Pesquisando sobre, caí numa matéria do Business Insider que sintetiza a era.

“O termo “girlboss” é infantilizante. Ele ainda exclui amplamente as mulheres negras, perpetua estereótipos negativos de líderes femininas, reforça expectativas impossíveis de atender às mulheres trabalhadoras e desencoraja a plena inclusão no local de trabalho.”

 

E a Forbes também fez matéria recente sobre o “obituário” do termo. Um trecho me chamou muito a atenção que foi o da professora de linguística, Kristen Syrett:

“Assim que você modifica algo como ‘chefe’ – e você não tem ‘Boyboss’ ou ‘Maleboss’ – isso realmente torna incrivelmente evidente que ainda estamos, como mulheres, lutando contra [uma imagem] que não era moldado por nós.

É lembrar a todos que existe um estilo de ser chefe: que existe o chefe e depois existe a chefe. E não importa o quanto você trabalhe, você ainda é uma garota – você é uma garota em um mundo masculino.”

 

Não satisfeitos, eles vão além e mostram que, apesar de originalmente bem intencionado, a expressão atualmente mais depõe, do que ajuda mulheres empreendedoras:

“O apogeu das fundadoras estilo Girlbosses na verdade tornou a situação mais difícil porque obscurece a realidade de que é mais difícil do que nunca arrecadar dinheiro sendo uma mulher.”

 

A Sophia discorda

 

 

Recentemente, em resposta à publicação da Fast Company, Sophia Amoruso, que anteriormente já havia pedido pra pararem de usarem o termo, agora rebate:

“Como é aceitável colocar e classificar mulheres fundadoras umas contra as outras? Aprecio, e muitas vezes invejo ,aqueles que optam por construir um negócio de cabeça baixa – o foco é importante e nem todos precisamos estar no radar – mas dissuadir explicitamente as fundadoras de serem e permanecerem visíveis sob risco de críticas é extremamente irresponsável.

Já recebi o memorando. Feliz por cair sobre minha espada como vítima da misoginia, mas também espero que aprendamos com esse lixo e dêmos alguma graça às futuras fundadoras.”

A machismo ainda mora ao lado (e acima)

O que a matéria da Fast Company bem pontua é que a metodologia original do girlbossismo escancarava que o machismo seguia forte. Enquanto a maioria dos fundadores homens dessa mesma geração, não precisavam construir personas voltadas para o público, as startups centradas em mulheres, precisavam usar sua personalidades para ajudar a impulsionar o negócio. As líderes precisavam compartilhar quase que em realtime como faziam sua rotina de #skincare, um passeio com os filhos #maternidade, mesa de trabalho atribulada – mas esteticamente pinteresca – e salada do fim do dia #dieta.

Tudo isso acarretava basicamente numa jornada MÚLTIPLA de trabalho, superexposição e mulheres mais exigidas, já o homem seguia sendo… homem.

Hoje, apenas 10% das empresas da lista Fortune 500 têm CEOs mulheres, apesar de as mulheres representarem 47% da força de trabalho. As fundadoras recebem apenas 2% do capital de risco. E se uma mulher co-funda uma empresa com um homem, as suas probabilidades de obter financiamento aumentam para 16%.

A vida depois da GIRLBOSS

 

Segundo a revista, o método girlboss tem dado lugar a outra expressão que ganhou fama graças à outra mulher empreededora, nessa caso com Brené Brown. A vulnerabilidade tem sido peça chave para as outroras superpoderosas se mostrarem reais, acessíveis e verdadeiras. Bom, ao menos ~editadamente verdadeiras.

E a matéria finaliza com 4 aspectos que deveriam estar na cesta básica de qualquer líder: empatia, gentileza, apoio e colaboração, seja o gênero que for.

Uma empresa é sempre um empreendimento coletivo e a personalidade da girlboss colocava muita pressão sobre um único indivíduo para representar a marca.
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