Comportamento, Moda, Pense  •  03 jun 2020

O novo consumo: conscientização ou revenge shopping?

Quando o assunto é pandemia, logo, quarentena, muitos debates surgem tentando entender esse “novo normal” da nossa sociedade. No que diz respeito ao tema do blog, vale refletir sobre um: comportamento de consumo. Desde 2014 faço posts mais, digamos, reflexivos, sobre a engrenagem da moda e como nossa forma de consumir, seja roupa ou informação, vem mudando (lembram desse post “a forma como você consome moda está mudando”?!). Esse assunto me desperta interesse não apenas pelo caráter “fashion”, mas também pelo lado antropológico e de entendimento sobre nossas escolhas e estilo de vida.

Dito isso, desde o início da quarentena mundial (com muitas ressalvas, né), debateu-se algumas questões: o futuro da influência (essa abordarei num post futuro) e como as pessoas vão consumir após meses de reclusão social. O que esperar não apenas da economia, mas como vamos encarar um armário, suas tendências e como vamos sair arrumadas por aí. Quando a gente vai sair?

Numa linha, digamos, mais otimista – uns dirão, ingênua – no início acreditou-se que haveria uma grande revolução no consumo: as pessoas comprariam bem menos. Valorizaremos experiências. Roupa é luxo. Foco no meio ambiente. Pra que tanta roupa se a gente nem pode sair. Maquiagem não tem mais sentido, vamos viver com máscaras. E por aí vai.

De primeira, bem no início da quarentena, de fato esse era um ideal bonito e de acordo com tais tempos bicudos. Mas não durou muito tempo e, arrisco dizer, que o efeito logo se tornou contrário, afinal, quanto mais tempo passamos em casa, quando saírmos, vamos tirar o atraso e comprar como se não houvesse amanhã (risos preocupados). E logo surgiu a expressão “revenge shopping”, aquele ideal de comprar na vingança pra compensar o período sem compras (o que na realidade nem é assim, afinal, os e-commerces seguem bombando). Com isso, muitos planos, ideias de looks, makes e afins… as pessoas já ficavam sedentas e planejavam uma urgência consumista.

“Ah não, não pode ser”, pois foi… pelo menos lá fora tá sendo muito. No primeiro sinal de fim da quarentena chinesa, pipocaram matérias falando o quanto a poderosa Hermès faturou na “vingança dos consumidores”: U$2,7 milhões de dólares em apenas 1 dia. “Ahh, mas eles devem vender isso num dia normal”. Parece que não, segundo dados, esse foi o melhor resultado diário para uma única loja na história da China. Sinal que essa conscientização por conta de Corona jamais viralizou entre os super ricos, claro.

“Ahhh, mas falar isso da Hermès é fácil, me dá um exemplo vida real”. Pois muito que bem, algo semelhante acontece na Zara francesa. Com a flexibilização da quarentena no país (que foi bem rígida), acharam que eles iam comer um croissant com champagne na beira do rio Sena contemplando a Torre Eiffel? Que nada, eles correram pra Zara mais próxima. A aglomeração foi fora do comum e, seja couture ou fast fashion, o ideal da conscientização não é apenas romantizado, mas também muito distante do ideal capitalista com o qual estamos acostumados e não vai ser um vírus (horroroso) que vai mudar isso, pelo menos a curto prazo. O materialismo vai sobreviver.

Corta pro Brasil, aqui a quarentena saiu pior que a encomenda, nem metade da população aguentou (OU PÔDE) ficar em casa. Aqui no Rio, o comércio se prepara para reabrir e, falando do Brasil todo, com essa flexibilização mais imposta pelos nossos governantes do que por especialistas de saúde, uma coisa é certa: o consumismo desenfreado vem com tudo, mas também algo que nenhum país vai enfrentar com tanta força, as pessoas simplesmente não terão grana pra nenhum extra (estamos falando de moda e beleza, ou seja, extra). Impossível fazer um post como esse e não citar a questão econômica e social do país que, em tempos de pandemia, está pandemônica.

Dito isso, acredito que quem, antes de quarentena, já estava revendo seu comportamento de consumo, se conscientizando no que diz respeito ao vestir, consumir e sustentabilidade, com certeza usou esse período para refletir e fazer dele o turning point de novos tempos, mas, essas pessoas são uma pequena parcela da sociedade.

No geral, o ato de comprar está muito mais enraizado na nossa rotina, de sair pra passear e o shopping ser o destino, de ter uma graninha extra e gastar com brusinhas e isso eu não julgo (até porque estou nesse momento construindo um armário de um novo ser humano), o que talvez nos restará pra esse momento de quarentena – que deveria estar longe de terminar – é muito da nossa relação com a moda, tendências e valorizar esse tal momento presente. Vou guardar a roupa de hoje pra usar amanhã? Vou deixar de usar a make x porque é brilhosa demais? Vou me privar de usar tal tendência ou estilo? A velocidade da tendência e o impacto dela no nosso armário, isso certamente vai mudar de alguma forma, e digo para roupa e também beleza.

No final das contas – talvez literalmente falando, o tal do “revenge shopping” será de fato mais expressivo do que a conscientização, mas também não durará muito. Creio que numa nova era – e talvez eu me renda à ingenuidade do início do post, as pessoas não vão deixar de comprar, mas tentarão entender o que é essencial, buscarão por prioridades e deixarão o consumo por indulgência para experiências (um jantar, um passeio) e um pouco menos para compras. As marcas que notarem essa tal busca-pelo-essencial sairão na frente e entenderão a identidade e necessidade desse novo consumidor disposto a comprar, mas comprar o que é prioridade (ok, sem esquecer daquela indulgência no meio do caminho).

O que a gente tira disso tudo? A questão social impera e não pode ser deixada de lado, no mais, vale entender sim como a gente vai enxergar a moda daqui pra frente, o que deixaremos de lado e o que podemos agregar num mundo totalmente transformado e repaginado. O que você espera dessa nova forma de consumir?

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11 comentários em "O novo consumo: conscientização ou revenge shopping?"
  1. Angélica
    03 jun 2020 // 13h58

    Tb acredito que muita gente vai sair comprando pra compensar o tempo perdido, e depois vao se acalmar mais e perceber o que é essencial ou nao.
    Mas é muito interessante ver em países como Espanha e Italia as pessoas lotando as fast fashions, como se tivessem sido privadas de algo essencial para viver, sendo que todas essas lojas continuaram suas vendas onlines hahahah

  2. izabel Soraia
    03 jun 2020 // 16h49

    Particularmente a única coisa que eu realmente repensei durante esse período, porém eu já vinha repensando, é o conforto e durabilidade das minhas roupas. Sair com roupa quente, apertada, sem boa mobilidade não quero mais nunca, os tênis por mim não sairão de moda nunca mais. Roupa que elastece, fica feia com algum tempo de uso, também não quero mais. Já não tinha muito agora tenho menos ainda, isso de guardar uma roupa ou acessório para uma ocasião, a ocasião é hoje hehehe. E eu me sentir bem e bonita é o que importa, mesmo que ninguém vá me ver kkk, enfim, acredito que a pandemia e isolamento só fez apressar quem já vinha refletindo, não acredito que vá haver alguma grande mudança no modo de pensar e agir no mundo

  3. izabel Soraia
    03 jun 2020 // 16h51

    Ah outra coisa, gente eu juro, uma das primeiras coisas que quero fazer depois que a gente puder sair, não é nem de longe ir ao shoping, EU QUERO IR A PRAIAAAAAA kkkkkkkk

  4. maria
    03 jun 2020 // 18h20

    Adorei esse post, no começo da pandemia nossa textos lindos, uma utopia do novo comportamento, mas logo passou.
    Esses dias assisti um filme “100 coisas” o nome, é alemão, bem divertido e acaba abordando o fato de precisarmos de coisas para ser feliz. Axo que precisamos de equilibrio e prioridade, e se nos apaixonarmos por uma tendencia aqui ou la que mal tem hahaha :blush: :high_heel: :lipstick:

  5. Vê Melo
    03 jun 2020 // 22h42

    Acho que o revenge shopping vai superar sim, infelizmente, pelo menos pra quem conseguiu manter a renda… Falando da minha experiência pessoal, acho que vai rolar um revenge care. A quarentena começou qdo minha bebê fez 3 meses e finalmente sairia do semi-isolamento do puerperio (afinal, ela já tinha tomado todas as vacinas, doce ilusão). Minha vontade é correr pra um salão cuidar um pouco da mamãe quarentenada aqui e isso tem sido uma unanimidade das minhas amigas mães rs.
    Acho que as vendas online entraram na vida de muita gente e não vão sair (sempre fui muito adepta e minha irmã zero mas agora ela está até curtindo a praticidade).

  6. Fernanda
    04 jun 2020 // 02h50

    Acho que vai variar muito… mas como uma pessoa chamada pela mãe de centopeia, antes da quarentena, vi que meus hábitos devem mudar muito. Pela minha área, continuei saindo para o trabalho 3x/semana. Como ter que limpar os sapatos toda hora era demais pra mim, desde que começou a rotina da quarentena estou usando apenas uma sapatilha clara e uma preta. Apenas um dia me deu vontade de verdade de por um outro sapato. De resto, só escolho entre os dois pares que moram na caixa da porta e vou numa boa! Já nem tenho vontade de olhar os modelos novos…

  7. Clara
    04 jun 2020 // 20h42

    Gosto muito dos seus posts nessa temática! Acho que o revenge shopping vai acontecer no Brasil. Se por um lado, a pobreza e o desemprego estão aumentando, a classe A no Brasil está enriquecendo e muitas pessoas (ricas) estão economizando ao ficar em casa (sem gastos com restaurantes, compras, gasolina etc). Acho que a romantização e idealização da quarentena no início levantou essa ideia de um novo consumismo mais consciente. Espero que algumas marcas sigam por esse caminho mesmo assim (a Gucci já disse que não vai fazer fashion week!), mas acho improvável uma mudança radical no mundo da moda.

  8. Naty
    04 jun 2020 // 22h16

    Bacana demais seu texto The! E como está sendo a experiência de montar enxoval em época de quarentena? Eu tô apanhando pra conseguir comprar roupas de frio para as crianças sem sair de casa

    • Juliana
      06 jun 2020 // 09h12

      Naty, sem querer me meter mas ja me metendo (pra tentar ajudar), procura por “fleece” no site da Renner! Tem muita roupa quentinha infantil! Se tiver disponibilidade, faz esse search algumas vezes no dia, pois o estoque varia muito. E quando achar algo que gosta, compra logo pq esgota tb super rapido. O fleece deles eh uma delicia… os casaquinhos eu faço estoque desde que meu filho nasceu (hj ele ta com quase 3 anos)! Bjs!

  9. Dani
    05 jun 2020 // 20h44

    A minha cidade começou a relaxar o isolamento, como na maioria dos casos, na hora errada: segunda-feira o centro da cidade estava lotado, pessoas não apenas comprando, mas passeando. É muito triste porque os casos aqui só aumentam. Acho que há uma esperança até ingênua de que a pandemia acabou, o que, acredito, nos custará mt mais caro (em vários sentidos). Assim como o início do isolamento trouxe reflexões, acho que o fim tb trará, ou melhor, nos obrigará a refletir. O revenge shopping tb vai passar, pois não faz sentido, é mt fugaz. Falando por mim, o que precisava comprei pela internet e procurei valorizar o comércio local, mas não tenho vontade nenhuma de sair gastando por aí… embora não tenha perdido renda, não tenho ânimo para comprar e me preocupo com os próximos meses. Achei legal o sistema de vendas pelo whatsapp, com delivery de lojas da região, bem bolado. A única coisa que sinto realmente falta é de cuidar do visual com um profissional – sobrancelhas, corte, mechas… esse vai ser o meu grito de liberdade qd td isso passar. De qualquer forma, acho que só conseguiremos mensurar o verdadeiro impacto social da pandemia daqui a alguns meses ou anos.
    Beijos

  10. 08 jun 2020 // 16h27

    Eu, particularmente, sempre fui de pensar muito antes de me decidir em comprar ou não alguma coisa, tipo, se é realmente necessário. Mas existe uma cultura de fazer compras para “desestressar”, parece que comprar alguma coisa nos ajuda a acalmar. Na quarentena obviamente as pessoas estão ficando super ansiosas, preocupadas com as consequências desse isolamento e na primeira oportunidade vão às compras, em busca de um certo alívio emocional.